Sim, a escola está destruindo gerações

AVISO: Texto longo e disruptivo, com reflexões polêmicas que requerem uma grande capacidade de abstração e um desprendimento dos modelos vigentes. Estou avisando antes pra você não perder seu tempo, caso ache que está tudo certo no mundo.

Por que uma criança deve estudar?

Para ser formada como cidadã que terá um papel na sociedade, trabalhando para ter seu sustento, para realizar seus sonhos e colaborar com os menos favorecidos.

O estudo não tem um fim em si mesmo, do tipo “o estudo dignifica o homem”. Não, o trabalho dignifica o homem. Ou seja, o que você realiza dignifica. Logo, numa determinada fase de sua vida você supostamente deveria se preparar para numa outra produzir e gerar valor.

O estudo sem propósito é perda de tempo. Essa afirmação soa quase como uma heresia escandalosa aos ouvidos de quem por anos foi condicionado a pensar no estudo como atividade fim e não como meio. Estudar por estudar é típico de alguém que ainda não encontrou seu propósito e por isso continua fazendo as coisas por fazer.

No entanto, o ato de estudar, ou seja, participar de uma classe a fim de adquirir informações sobre as disciplinas definidas pelo governo está muito longe de ser o suficiente para preparar alguém para adquirir essa relevância na sociedade. Até porque a definição do currículo escolar foi feita há quase um século.

Porém, o mundo mudou, as necessidades mudaram, as ferramentas são outras e a quantidade de informação a que nossos jovens são expostos é muito maior. Não é por acaso que, como consequência dessa realidade, testemunhamos o aumento brutal no diagnóstico de TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção por Hiperatividade, o que fez com que drogas como a Ritalina tenha encontrado no Brasil seu segundo maior mercado consumidor do mundo. Nossas crianças é que estão doentes ou seriam as nossas escolas?

Aquela escola que tem o papel de transferência de conteúdo a cada dia se torna mais insignificante, num mundo onde as informações estão acessíveis a todos, à distância de apenas um clique.

Por isso, o modelo educacional vigente está falindo e definhando a cada ano. Isso acontece sem que muitos envolvidos nesse processo estejam percebendo. Até porque esse modelo está associado às formas mais convencionais de sustento de um cidadão, que é o emprego. Por sua vez, o emprego tradicional, na forma como conhecemos, perde valor a cada dia, enquanto outras formas de produção ganham mais espaço no mundo. Marketing multinível, produção de conteúdo na internet, micro-franquias, vendas diretas, marketing digital, dentre outros modelos que têm crescido em todo o mundo e que já contam com milhões de pessoa dedicando-se a eles.

Não quero entrar no mérito de discutir sobre cada um desses modelos, mas a existência deles e seu crescimento é a maior prova de que as pessoas estão cansadas de se sentirem escravas, de terem suas agendas tomadas e não terem tempo para desfrutar da família e da vida em troca de um salário sobre o qual não têm controle.

Com o aumento do trânsito nas grandes cidades, das filas intermináveis e engarrafamentos de desafiarem os nervos, aliado ao aumento da violência urbana, tem provocado um aumento nos casos de síndrome do pânico. Como resultado, o consumo de educação pela internet, por exemplo, não para de crescer.

Por que alguém vai pegar um carro, dirigir por minutos ou horas, correndo risco de ser assaltado, gastando com estacionamentos cada vez mais caros, para ir numa faculdade? Ele estuda online, gasta menos, com qualidade e ainda sobra mais tempo para trabalhar, construir seus projetos, fazer outras coisas de que gosta ou simplesmente viver a vida.

Vamos agora falar sobre conteúdo. Eu vejo muito, mas muito valor na pré-escola. É o momento em que a criança tem uma de suas primeiras experiências sociais, desenvolve suas habilidades cognitivas, coordenação motora e é alfabetizada. É uma educação altamente produtiva.

Da 1ª a 4ª séries, a concentração em português, matemática e ciências, traz um conteúdo interessante e importante para a base da educação dessa criança. O problema é que o formato falido da educação vigente já começa a colocar a cabeça para fora. Estou falando de uma sala enfileirada, a maldita prova que induz a decoreba e a busca por notinhas na média começam a aparecer nessa fase. Uma pena, pois apesar desse formato nojento, o conteúdo dessa fase é bem importante.

Da 5ª série até o último ano do ensino médio é quando tudo desanda. Ou seja, entre os 11 e 17 anos. Algum pedagogo infeliz definiu esse conteúdo a ser despejado no cérebro dos jovens. A quantidade de informações inúteis, desnecessárias e irrelevantes é impressionante.

Nessa fase, seria imensamente importante a preparação para a vida. Não me refiro a preparação para o emprego. Não! Falo de preparação para a vida mesmo.

Até hoje, sou capaz de montar no mínimo 70% de uma tabela periódica, com os elementos químicos e suas posições organizadas em grupos. Não vou recitar o nome deles aqui para não ficar chato. Até hoje não esqueci e não me pergunte a razão. O fato é que essa informação ocupa um espaço valioso em meu cérebro que não me serve para nada. Talvez se eu trabalhasse com farmácia ou química industrial tivesse algum valor, mas não para 99% das pessoas. Se é inútil para 99% das pessoas, por que perder tempo com isso na escola?

Para não detalhar muito entrando em muitos detalhes, para resumir, eu me atrevo a dizer que mais de 70% do que se estuda entre a 5ª série e o 3º ano do ensino médio não tem sentido algum e ficará no esquecimento. Sou exceção que me lembro de pelo menos 70% da tabela periódica e do nome dos elementos químicos dos principais grupos. É o seu caso? Você se lembra dos nomes dos elementos químicos que fazem parte do grupo dos metais alcalinos? Se a resposta é não, você não está perdendo nada. Se você se lembra, desde a 8ª série, que este grupo é formado por Lítio, Sódio, Potássio, Rubídio, Césio e Frâncio, como eu acabei de me lembrar, aconselho procurar um médico.

Pense comigo. Não seria mais importante que os nossos jovens estudassem e fossem treinados para:

1. Falar em público – Estatisticamente, falar em público é o maior medo das pessoas. Elas não têm boa oratória, o que é muito importante para o crescimento profissional e liderança. Como alguém passa mais de 15 anos participando de uma educação que não o preparou para ter uma boa oratória? Foi falta de tempo? Não. Você estava ocupado estudando as briófitas, as mitocôndrias ou decorando os gases nobres.

2. Direito – Não me refiro ao Direito estudado por quem deseja ser um advogado, mas ao direito de cada cidadão. As regras do jogo. Quer jogar o jogo sem saber as regras? Falo em direito do consumidor, direito civil, direito tributário, direito comercial…

3. Nutrição – As taxas de obesidade crescem em todo o mundo. Nutrição é algo que deve ser estudado todas as semanas.

4. Finanças pessoais – O nível de endividamento, cálculo de juros para financiamentos, negociação, gestão de seu patrimônio etc. É inacreditável que se perca tanto tempo numa escola sem aprender a gerir a sua própria vida.

5. Inteligência emocional – Como reagir a situações adversas, aprender a perder para ganhar, saber se colocar no lugar dos outros, empatia, de novo liderança, saber trabalhar em grupo, como lidar com a ansiedade, com as frustrações, com o medo etc.

6. Empreendedorismo – Não apenas na forma de se ter uma empresa, mas também como empreender numa carreira profissional, empreender com a mesada, estímulos para startups na internet, blogs, conteúdo no YouTube e redes sociais com o foco na criação de audiências.

7. Esporte em alta performance – O esporte traz consigo ensinamentos importantíssimos para a vida. Foco, trabalho em equipe, inteligência emocional, determinação, trabalho em grupo. O esporte é riquíssimo para o desenvolvimento dessas habilidades.

8. Primeiros socorros e principais conhecimentos sobre o atendimento de jovens velhos e crianças.

9. Política e sociologia de forma isenta e não doutrinária.

10. Serviço social e trabalho voluntário em comunidades carentes. Além da experiência valiosíssima de lidar com os mais necessitados, a abordagem humana e ter acesso às contradições da sociedade trariam questionamentos valiosos para os futuros pensadores.

11. Idioma estrangeiro com qualidade – Ter inglês como disciplina estudada em todas as escolas e apenas 3% da população dominar o idioma é mais uma prova do fracasso do modelo educacional vigente. É inaceitável que menos de 100% de nossos alunos cheguem ao final do ensino médio e não falem no mínimo 3 idiomas. Tem tempo para isso, mas a competência das escolas atuais passa longe.

12. Na língua portuguesa, interpretação de textos e redação. Uma atividade a ser desenvolvida todos os dias. Treinando a forma e desenvolvendo pensadores que se expressam muito bem, tanto de forma oral como escrita. Experimente pedir para um grupo de 100 jovens recém formados numa universidade para eles escreverem uma redação para você ver o nível baixíssimo de anos estudando nesse sistema vigente.

RESPONSABILIDADES

O governo é responsável por esse modelo pouco produtivo de educação. O MEC é quem regula isso e impõe às escolas esse currículo. Ou seja, se uma escola decidir ensinar tudo o que disse acima e abolir a tabela periódica, por exemplo, ela, mesmo privada, poderá ter seu registro cassado e seus alunos terão um diploma não reconhecido.

Até o ano passado, fui sócio de um grupo educacional expressivo com mais de 1.800 escolas de ensino médio e fundamental no Brasil, que tem mais de 500 mil alunos. Conheço bem o que digo. Vendi para o fundo soberano do Governo da Cingapura.

Meus filhos, 15, 13 e 4 anos de idade, sabem tudo o que penso a respeito desse assunto e por dois anos ficaram fora da escola. Estudaram em casa, enquanto moramos na Espanha e Inglaterra. Aqui em Portugal, eles voltaram para uma escola convencional, mas a educação deles não pertence a essa escola, ainda que seja considerada uma das melhores da Europa. Eles aprenderam a jogar o jogo e nos dedicamos a prepará-los dentro de outros paradigmas, muito longe de alguns conceitos ensinados lá dentro.

Talvez um dia eu realize o sonho de construir uma escola que contrarie tudo isso, que peite esse esquema, que ignore a falsa importância de um diploma e que forme pessoas para serem relevantes na sociedade com todas as habilidades acima, em vez de uma manada de seres humanos padronizados em busca de um diploma para arranjarem um emprego e pagarem suas contas. Agem assim, porque foram ensinados assim, treinadas assim e adestradas desse jeitinho.