Quando jovem, ouvi uma história de dois sobreviventes de um acidente aéreo que caíram num deserto. Depois de caminharem por dias e morrendo de sede, avistaram uma garrafa de água sobre a areia. Ao olharem um para a cara do outro, começaram a andar em direção à garrafa. Em seguida, andaram mais rápido até que correram desesperadamente na direção daquilo que mais se parecia uma miragem, mas era real.
Ao se aproximarem, lutaram pela garrafa, já que ela poderia significar sua sobrevivência. Depois de muito empurra-empurra, tapas, socos e chutes, um deles estava prestes a pegar a garrafa para beber a água. No entanto, o outro, ao se recuperar das bofetadas, correu e, antes que o outro bebesse, deu um chute na garrafa que caiu sobre a areia, derramando todo a água que estava dentro. Os dois morreram de sede horas depois.
Seria muito mais racional se os dois, ao encontrarem a garrafa no deserto, pudessem dividir a descoberta e garantir por mais um tempo sua sobrevivência. No entanto, a desconfiança ou o egoísmo fizeram com que ambos disputassem a garrafa. Ao perceber que perderia a água, o que estava para trás tomou uma decisão:
“Se eu não bebo, ninguém vai beber”.
É claro que nesse conto o egoísmo, a luta pela garrafa e a questão de sobrevivência extrema ilustram muito bem o drama em que esses dois personagens estavam vivendo. No entanto, o “se eu não bebo, ninguém vai beber” está bastante presente em nossa sociedade de uma maneira mais forte do que se pensa, já que esse lema trafega no submundo da mente coletiva, no esgoto da consciência humana e nos porões da inveja que tem o seu lema muito bem definido:
“Se eu não bebo, ninguém vai beber”.
Numa sociedade onde competimos por um emprego, competimos por um lugar no mercado, competimos por um marido, por uma esposa, por uma família bonita, por uma posição social, por reconhecimento profissional, por sucesso, por realização, pela construção de nossos projetos, por ideias, por ideais, por ideologias, pelo título de campeão com o nosso time de futebol, por evidência nas redes sociais, competimos por aceitação e até por mantermos nossa própria identidade, o que muitos fazem quando fracassam? Como reagem quando não alcançam suas metas? O que pensam quando as coisas não saem como o planejado? A que conclusões chegam quando ficam para trás?
Somente há duas possibilidades:
1. Sou responsável por meus resultados – Este grupo percebe que não se dedicou como deveria, que não foi competente o suficiente ou que cometeu erros de avaliação. Nesse caso, têm a chance de aprender com seus erros e se dedicarem a batalhar pelos seus projetos novamente até conseguirem realizá-los. Eles assumem com dignidade seus erros e dedicam-se a evoluir em busca da realização de seus projetos.
2. A responsabilidade é do sistema, de alguém ou de quem quer que seja, menos minha – Este grupo geralmente tem uma imagem muito equivocada sobre si mesmo e não aceita o fato de que pode ter errado, não se preparado da maneira correta e, confrontado com sua realidade, cai na autopiedade e nega seu fracasso, culpa forças ocultas, como, por exemplo, o sistema, as supostas cartas marcadas, o capitalismo e suas injustiças, a elite ou outras desvantagens construídas entre os que optaram por se sentirem injustiçados e vítimas de conspirações existenciais.
Ressentidos por seus fracassos ou por não serem reconhecidos pelo que pensam equivocadamente sobre si mesmos, sem encontrarem um espaço de destaque na sociedade, em vez de assumirem seus erros e trabalharem novamente para realizarem seus projetos, embarcam numa cruzada contra as supostas injustiças do sistema, o que consideram ser o grande culpado por seus insucessos. Como encontram outros com o mesmo discurso, sentem-se moralmente avalizados pelo descontentamento coletivo através de uma espécie de sentimento de pureza moral distante dos instintos pecaminosos do egoísmo daqueles que acreditam e lutam pela conquista de seus sonhos individuais. Mas ele não. Ele agora é um ser especial que luta por algo comum em favor dos fracos e oprimidos e que, para isso, diariamente é alimentado pelo lema:
“Se eu não bebo, ninguém vai beber”
A inveja é mestre em sua sutileza. Ao enxergar que outro lutou para ocupar uma posição mais privilegiada e conseguiu, a inveja torna-se um sentimento insuportável dentro daquele que ficou de fora. Ver um amigo subir no lugar mais alto do pódio não produz neles a vontade de aplaudir. Ao contrário, a reação que tem é de nutrir o ressentimento através de discursos moralistas, já que agora passou estar engajado em causas muito mais nobres do que essa porcaria de sucesso.
No entanto, lá no fundo, é a inveja que já está dando as cartas. No fundo, ele gostaria mesmo é de estar no lugar do amigo aplaudido. Por isso, ele tenta de todas as maneiras se convencer de que sua vida é dedicada a luta por algo maior e coletivo. Porém, se tivesse uma única oportunidade, ainda que de forma fraudulenta, não hesitaria em querer experimentar este momento de glória, porque na realidade, o que ele mais nega é o que mais deseja.
“Se eu não bebo, ninguém vai beber” é o lema dos invejosos, é o lema dos que não tiveram a dignidade de assumirem os seus erros a fim de corrigirem a rota e lutarem pelos seus projetos.
Lutar por seus sonhos não é pecado. Ao contrário, desejar crescer e lutar para conquistar um lugar de destaque é louvável. Nada disso é repugnante como os invejosos tentam disseminar em suas ideologias impregnadas de inveja e maquiadas de causas benevolentes em favor dos injustiçados, mas que na verdade é apenas uma autodefesa para anestesiar-se da dor provocada por seus fracassos.
Não tenha um peso sequer em sua consciência para assumir que você vai trabalhar e se esforçar para se destacar da multidão, que você não deseja ser massa de manobra, que você cultiva a sua individualidade, a sua identidade e que por isso, não nasceu para passar em branco neste mundo que tanto quer te padronizar.
Não tenha um peso sequer em sua consciência para assumir que você quer ter sucesso, quer ganhar bem, quer prosperar, quer ter o melhor, a melhor casa, o melhor carro, a melhor carreira, o melhor reconhecimento, quer dar o melhor para sua família, quer o melhor projeto, a melhor satisfação pelo sentimento de dever cumprido.
Querer o melhor é louvável. Você não é igual a ninguém. Ninguém é igual a ninguém. Não somos iguais. Eu posso estar disposto mais do que você e você pode se dedicar mais do que eu. Plantaremos diferentes sementes, logo colheremos diferentes frutos.
Não há nada mais justo do que isso.
Temos a liberdade de escolhermos as sementes, mas uma vez escolhidas, colheremos como consequência o resultado dessa escolha. Como cada um faz escolhas diferentes, como podemos esperar resultados com igualdade?
Colher o que se planta é uma lei da natureza que produz a mais pura justiça social.
Negar esta lei é, no fundo, uma tentativa de diminuir a frustração dos que são sistematicamente corroídos pela inveja. Em vez de se levantarem de seus fracassos, preferem tentar anular a sua iniciativa. Em vez de assumirem seus erros, preferem fazer com que você se sinta culpado por lutar por uma vida melhor. Em vez de aprenderem com quem chega no topo do pódio, preferem jogar tomates neles.
Vida triste e sofrida.
Vida de quem pensa assim:
“Se eu não bebo, ninguém vai beber”