Hoje, assistindo a um vídeo no qual pessoas amontoadas dentro de um ônibus, no Rio de Janeiro, pulavam pela janela, numa cena de violência e discriminação, lembrei das muitas viagens de ônibus que fiz em condições muito parecidas, pendurado pelo lado de fora, para conseguir chegar, depois de algumas horas, a minha casa. No outro dia, começava tudo de novo…
É fato que, na hora de ir para a praia no fim de semana, o suburbano precisa lidar com a discriminação ao se deparar com o forte incômodo por parte de alguns moradores locais que se sentem com mais direitos que os visitantes indesejados. Eles não poupam demonstrar um claro desconforto pela presença de pessoas de classe social mais baixa que falam alto e comem farofa nas marmitas, deixando muitas vezes um rastro de sujeira e lixo na areia. Sim, há discriminação por quererem a praia somente para si e não aceitarem conviver com essa diversidade.
Por outro lado, também é fato que falta educação em muitos visitantes e muito desse recalque social é depositado nesse comportamento pouco civilizado de alguns. Para temperar ainda mais o prato indigesto, uma minoria pratica arrastões, provocando pânico, prejuízos e alguns feridos.
Como eu disse, também vim da periferia e senti na pele esse recalque. Tinha vergonha de dizer onde eu morava e me sentia diminuído perto dos “riquinhos” que exibiam suas pranchas de surf e bronzeado de quem visita a praia todos os dias apenas atravessando a rua. Por outro lado, eu não participava e nem concordava com o tumulto frequentemente criado, com o calote nos ônibus e nem com os saques em estabelecimentos comerciais na hora que batia a fome, praticados por alguns colegas de subúrbio. Uma das coisas que aprendi, nos últimos 20 anos, foi a ter orgulho de minha origem, depois de ter me curado de meus complexos de inferioridade e ter aprendido a lidar com pessoas de todas as classes sociais e ver valor em todas elas.
No fundo, esse cenário expõe, sem piedade, tanto o preconceito dos mais abastados quanto o déficit de educação e recalque dos que frequentam escolas públicas na periferia que não foram capazes de influenciar e criar novos valores para essa população de excluídos. Não há inocentes nessa cena, nem culpados de um único lado. Esse é o retrato de uma sociedade que relativiza o certo em troca dos discursos “socialmente conscientes”, toma partido de suas conveniências e que é calada pelas abordagens politicamente corretas, mas que não faz nada, de fato, para mudar esse quadro, a não ser de explorá-lo politicamente.
Sim, muitos dos mais privilegiados são preconceituosos por não saberem conviver com essas diferenças, mas o outro lado da moeda também precisa aprender a conviver com educação em sociedade. Isso poderia ser ensinado pela escola, mas, pela ausência do Estado, essa grande massa é mantida sem referência de civilidade, enquanto os mais educados alimentam ainda mais seu sentimento de superioridade e preconceito.
Fato. Não há inocentes nessa história. A doença é generalizada.
Porém, o que mais me enoja é o uso político dessa realidade, tanto pela direita quanto pela esquerda, que usam exatamente a mesma matéria prima para disseminar suas teses e angariar seguidores entre os que tomam partido de alguma das partes.
A política séria seria enxergar de forma mais ampla o problema nos dois lados, em vez de fomentar ainda mais as lutas entre as classes que tanto já dividiram o país e continuam a destruir nossa unidade e identidade.
Para finalizar, lembro que falo com legitimidade, pois conheço muito bem os dois lados da moeda. Não concordo com ambos. Seguimos no terceiro mundo porque ainda nos comportamos como tal.
Não somos melhores que ninguém. Enquanto tivermos governos incompetentes, eleitos por uma população que é mantida na ignorância, seremos um país de contradições e de gente arrogante nos dois lados.
Ninguém é melhor porque é rico e tampouco é mais digno porque é pobre. A verdade é que nossa sociedade está doente e a mediocridade assola todas as classes sociais.
Precisamos pensar fora da caixa, crescer como sociedade e nos livrar dos políticos sanguessugas que se perpetuam no poder. Precisamos de lideranças que interrompam esse discurso que divide e iniciem um novo ciclo de união, apesar das diferenças.
Só assim o rico estenderá a mão e o pobre vai lutar com todas as suas forças e dignidade para sair de sua condição. Uma população que tem como lema o trabalho e tem uma mentalidade de construção e dignidade. Um país que trabalha e cresce e não uma nação que cria dependentes e vendedores de votos.
Até quando seguiremos para o lado errado? Até quando seremos reféns desses discursos que fomentam lutas entre os próprios brasileiros?
Enquanto isso, nos últimos 4 anos e meio, as empresas brasileiras na bolsa já perderam 1 trilhão de dólares (U$1.000.000.000.000,00). O dólar flertou hoje pela primeira vez, desde o Plano Real, com os 4 reais. Outros bilhões estão sendo gastos para as Olimpíadas, que têm trazido para o Rio de Janeiro toda a atenção da imprensa internacional, que tem divulgado essas lamentáveis imagens e notícias sobre violência nos quatro cantos do Planeta.
Resultado? Estamos pagando caro para queimar de vez o filme do país. O mundo assiste perplexo a um Brasil que há pouco tempo foi uma promessa, mas que hoje se tornou uma vergonha.