Quando comecei minha carreira profissional, em 1991 (talvez você nem tivesse nascido), meus maiores desafios não foram os relacionados diretamente à própria atividade profissional que estava iniciando, mas sim às barreiras que me eram impostas por conta da exclusão geográfica da qual eu era alvo, mesmo sem ter conhecimento dela.
Explicando melhor, se de alguma forma a competição no mercado de trabalho é acirrada, eu já começava em desvantagem nessa corrida. Meus “concorrentes” pegavam o metrô com ar condicionado na Zona Sul, região nobre do Rio de Janeiro, às 7h45, e às 8h00 já estavam em nossa reunião diária de prestação de contas. O dia para eles já começava ensolarado. Tomavam café da manhã tranquilos e chegavam ao trabalho com a roupa arrumadinha.
Por outro lado, eu acordava às 5h da manhã e caminhava por 10 minutos para pegar um ônibus absolutamente lotado entre 5h50 e 6h, a fim de participar da mesma reunião às 8h. Se houvesse um acidente na Avenida Brasil, não chegava antes de 9h30, cansado de uma viagem de pé, cheia de solavancos, curvas fechadas e freadas de um motorista cansado, mal pago e quase sempre mal-humorado.
O dia para mim sempre começava corrido e lutando contra o despertador que não me aliviava. Em meio a gemidos, minha única alternativa era me levantar no meio da madrugada escura, convencendo-me de que naquele dia minha vida mudaria mais um pouquinho em direção à realização de meus sonhos. Café da manhã? Era um sanduba preparado pela minha avó no dia anterior e que eu comia enquanto esperava o ônibus. E a roupa? já começava o dia toda amassada pelo empurra-empurra de uma exagerada densidade de humanos por metro quadrado.
Mal terminava de comer o sanduba, um ônibus lotado muitas vezes passava sem parar. Já estava entupido. Logo, outro chegava. Pela porta que media não mais do que 80 centímetros de largura, dezenas de pessoas disputavam para entrar no ônibus. Homens, mulheres, crianças, gordos, magros, jovens e idosos acotuvelavam-se para não ficarem de fora. Com a minha pasta agarrada numa mão e com a outra segurando no ônibus, já andei alguns quilômetros pendurado para não chegar atrasado na reunião matinal.
Acidentes, ônibus que pararam no meio da estrada com defeito, assaltos, brigas, tiroteios, mulheres abusadas, idosos desmaiando ou caindo ao descer do ônibus, vagabundos passando por debaixo da roleta tocando o terror, pedras que de vez em quando entravam voando delicadamente pelas janelas de vidro, sovacos fedorentos, flatulências inconvenientes e muito mais faziam parte de meu dia a dia antes mesmo de eu chegar ao trabalho e encarar meus desafios profissionais ao competir pelo meu lugar ao sol.
Isso é o que eu chamo de exclusão geográfica.
Como escolhi lidar com isso?
Minha escolha não foi me vitimizar, não foi me revoltar, não foi invejar, não foi usar essa realidade como uma desculpa, não foi me intimidar, não foi me convencer de que não era justo, não foi culpar governos e muito menos culpar os meus colegas mais privilegiados que moravam na zona nobre da sofrida Cidade Maravilhosa.
Não estava ao meu alcance mudar o sistema hipócrita, medíocre e injusto. Portanto, ficar me lamentando ou me revoltando consumiria uma energia preciosa da qual eu precisaria para trabalhar, produzir e mudar de vida.
Enquanto estava de pé dentro do ônibus, tinha o hábito de ficar olhando através do reflexo das janelas a minha própria imagem no meio daquela multidão sofrida. Principalmente no inverno, quando levava mais tempo para o sol nascer, as janelas viravam quase um espelho. Às vezes ficava um pouco difícil olhar pelo reflexo da janela porque os vidros embaçavam por conta do bafo criado pela multidão respirando junta dentro do ônibus. Tinha o costume de passar a mão no vidro a minha frente pra observar minha própria imagem naquele cenário bárbaro e pensava: “Estou aqui, mas não pertenço a este lugar. Vou sair daqui, vou oferecer algo melhor à Luciana, vou pagar o preço que for necessário para mudar de vida.”
Naquele momento, para mim não importava mais se a realidade em que eu vivia era justa ou não, se era um abandono do governo, se era cruel ou se era muito difícil… O fato era que nada disso estava no meu controle. O que estava no meu controle seria fazer um esforço sobrenatural, ter foco, inteligência emocional e meter a mão na massa para mudar aquela realidade que, confesso, me incomodava muito.
Portanto, a primeira dica pra você que quer mudar de vida é: não perca o seu tempo e energia falando com o vento nas redes sociais, revoltando-se e convencendo-se que você é vítima da sociedade. O mundo não vai mudar por causa de sua revolta. O seu mundo vai mudar se você aplicar a sua energia e foco num projeto capaz de mudar a sua vida e que dependa apenas de você e não na boa vontade de políticos bravateiros. A história que contei é de 26 anos atrás, mas se você voltar lá na periferia do Rio de Janeiro, os moradores de lá vivem o mesmo drama. Nada mudou e jamais vai mudar. Ao contrário. Vai ficar pior. A periferia é longe mesmo dos grandes centros e com a péssima infraestrutura de nosso asfalto e a quantidade de carros que aumentou bastante, o trânsito tende a ficar cada vez mais complicado. Logo, revoltar-se é inútil e gasta o que lhe resta de energia para lutar pela mudança que você tanto quer.
Conquistar uma condição melhor, mudar para um local mais perto do trabalho e empreender o seu projeto sem depender do governo é o único caminho possível, que eu percorri cada centímetro dele, para alguém que deseja mudar de vida, mesmo excluído e vivendo nessa sociedade hipócrita e cheia de contradições, não vão faltar pessoas para tentarem alimentar sua revolta e capitaliza-la em seus projetos políticos. Transformá-lo em massa de manobra é a meta deles. Neste caso, você terá que escolher: ser a vítima perfeita ou um protagonista que mudou a sua história para sempre.
Se a sua opção for ser protagonista, seja bem vindo ao clube dos que mudaram de vida ou estão plenamente no meio desta mudança.