Todo o Brasil acompanhou nesta semana a história surreal do psicólogo, comerciante e ator Vinícius Romão, que, ao sair do trabalho, atravessou o caminho da copeira Dalva da Costa, mais uma vítima de um assalto no Rio de Janeiro. A mulher, desesperada, nervosa e sem óculos, saiu acompanhada por um policial despreparado pelas ruas ao anoitecer para identificar o suposto ladrão. A roleta russa foi acionada e disparou em direção a Vinícius.
Sem direito a defesa, ainda tentando entender o que acontecia, em meio à multidão justiceira e cansada de tanta violência, Vinícius foi levado para a delegacia. Lá, considerado um ladrão, mas tendo agora que provar o contrário, conheceu o outro lado da moeda do sistema, em contato com verdadeiros bandidos que, pela lei, deveriam pagar com sua liberdade pelos crimes que cometeram, mas, na prática, são torturados pelo sistema, sendo enclausurados sem espaço, higiene e dignidade humana. Quinze ocuparem o espaço de seis é desumano.
Alguns podem dizer: “você está defendendo bandido, Flávio?” Mas, pela Constituição Brasileira, todos somos iguais. Logo, nem o bandido deve ser torturado dentro da prisão, da mesma maneira que os políticos presos não devem ter privilégios do lado de dentro das grades. Todos devem ter o mesmo tratamento. Eu penso que um país justo deve ter um sistema justo. Do contrário, uma prisão acaba se tornando uma escola de aperfeiçoamento de criminosos, que sairão de lá ainda piores, para devolverem à sociedade que os torturou sua vingança com juros e correção. Não é por acaso que este sistema acaba sempre explodindo na cara da própria sociedade.
Mas como combater a violência urbana, se o Estado comete inúmeras violências todos os dias contra seus cidadãos? “Como assim, Flávio, que tipo de violência o Estado comete todos os dias?” Vejamos:
– A corrupção que presenciamos nos noticiários, praticada por muitos líderes do país é uma violência contra a população.
– A administração irresponsável do dinheiro público é uma violência.
– O transporte público precário é uma violência.
– Pessoas morrendo na fila do sistema de saúde público é uma violência.
– A qualidade da escola pública é uma violência.
– As promessas não cumpridas para a infraestrutura do país para receber a Copa são uma violência.
– Nossas estradas, aeroportos e portos são uma violência.
– A quantidade abusiva de impostos em cascata é uma violência.
– A impunidade é uma violência.
– Os presídios são uma violência.
– Abordagens arrogantes de policiais são uma violência.
– Violência crônica nas cidades é uma violência.
– Pagar o triplo pelos mesmos produtos vendidos nos EUA é uma violência.
Essa sucessão de estupros aos quais a sociedade é submetida todos os dias é um fator gerador de violência que alimenta esse ciclo vicioso no qual estamos presos desde Pedro Álvares Cabral. E a qualificação da violência é ainda maior quando sabemos que nada disso acontece por falta de dinheiro. Somos a sétima maior economia do mundo, gastamos mais dinheiro com cada aluno de uma escola pública do que custa a mensalidade de uma escola particular, por exemplo.
Bem, Vinícius Romão entrou – injustamente acusado – pela porta da delegacia como um negão bonito, forte e estiloso. Depois de 16 dias, saiu de lá abatido, careca, sete quilos mais magro e com uma coleção de experiências que dificilmente vai compartilhar em público em detalhes. Certamente, ele aprendeu a valorizar as pequenas coisas, perdoou a copeira, fez amigos por onde passou, refletiu sobre a vida e nos deu uma aula de serenidade, caráter e de civilização. Mas, sem dúvidas, ele vai carregar com ele para sempre as marcas desse sistema violento, despreparado e injusto.
Será que precisaremos passar 16 dias dentro da cadeia para também revermos os nossos conceitos? Será que um dia vai aparecer alguém que tenha a coragem de mudar as regras do jogo?